24 de junho de 2005

Artigo - Folha de Sâo Paulo - ISAY WEINFELD

Perambulo por essa agradável cidade em que vivemos e de repente, numa desuas mais deslumbrantes avenidas, deparo com uma construção que me chamaaatenção: um bingo. Não é necessário chegar mais perto para reparar queacabade ser introduzida na cidade, com toda a pompa e circunstância, o "NewAfrican Style".

É bem verdade que ele veio em forma de "arquiteturatemática" (muito caprichada, aliás), mas torço particularmente para queelese alastre pela cidade. Já estávamos mesmo ficando fartos dos outrostiposde arquitetura temática presentes na cidade. Afinal de contas, o que équesão todos esses edifícios mediterrâneos, essas vilas neoclássicas, esseslofts nova-iorquinos, essas casas toscanas, se não exemplos da melhorarquitetura temática? Nada como uma lufada de ar fresco. Sei que édifíciltrocar a França pela África, mas confio no poder de persuasão daspoderosasimobiliárias de São Paulo.

Muitos anos atrás, sabiamente, elasconvenceram amaioria dos incorporadores de que o que vende é o estilo neoclássico. Dequeele jamais envelhece. Desde então, São Paulo foi ficando cada vez maislinda, como é fácil perceber, cada vez mais elegante, cada vez maisinternacional.A elite paulistana passou a ter em seus prédios o porte-cochère. Ariquezaestava definitivamente ligada à ostentação. Saíram os arquitetos,entraramos cenógrafos de fachadas. Ao mesmo tempo em que esses edifícios eramvendidos como água (Perrier, evidentemente), subia vertiginosamente avendade dicionários francês-português, para que os compradores pudessemfinalmente entender os termos usados nas plantas dos apartamentos.Tudo fazia sentido. Sair à noite do edifício Maison Champs Elisées, detailleur, para saborear um chateaubriand num bistrô à beira do rio. Pinheiros, é verdade, mas também quem se importa com a vista?

Aliás, temalguém aí que se importa com a vista... seja do rio, seja da rua, sejadocéu, seja da Lua? Além de ganhar dinheiro com a venda de um imóvel, oquealiás é mais do que justo, alguém se importa com o trambolho a mais queestácolocando na cidade? Onde está aquela arquitetura que traduz a nossaépoca?Será que os filhos e netos dos construtores dessa cidade, que são maisbemformados e informados, um dia vão ter a coragem de interromper esseciclo evirar a mesa? Cadê a ousadia? Quem vai arriscar? Será que esses jovensvãochamar seus pares, essa nova e talentosa geração de arquitetos que vemporaí e que poderia fazer dessa cidade alguma coisa bem mais interessante?Enquanto isso não acontece, a cidade vai se transformando num EpcotCentere, lá para trás, bem lá para trás, ficou ""um sonho feliz de cidade...".

O melhor de tudo isso é que São Paulo continua sendo a mãe e a madrasta detodas as arquiteturas. Isso quer dizer que até quem pensa que o certo éooposto do que está escrito acima tem seu espaço.Vamos ver aonde vai dar este verdadeiro rali Paris-Dakar. Por enquanto,continuo andando sem destino por essa cidade engraçada. Só que ando poraícomo Stanley Kubrick andaria. De olhos bem fechados.

ISAY WEINFELD


texto enviado por Maraisa Ramos.
(Obrigada!)

20 de junho de 2005

Texto - Argan

“Pode-se ter uma solução urbanística satisfatória e mesmo boa com uma má arquitetura. O que não é possível é o contrário. Não é possível ter uma boa arquitetura em um mau contexto urbanístico.

Giulio Carlos Argan

Imagino que essa frase seja verdadeira.

Pois o que entendo dessa afirmação quando Argan diz ser possível a existência de uma solução urbanística satisfatória sem que os objetos arquitetônicos individualmente tenham qualidade, é que no caso de um plano diretor, de uma organização, de uma urbanização planejada, prevista de acordo com dados da realidade local, esta não deixa de funcionar no caso da construção de má arquitetura em sua malha. Uma cidade que vive e evolui não deixa de funcionar pela simples construção de edificações ruins, sejam elas ruins tecnicamente ou apenas esteticamente.

Porém se o projeto urbanístico é falho, se o desenho urbano é intrincado, não planejado de acordo com o local, ou de acordo com qualquer teoria que garanta níveis mínimos de eficiência, então não importa quão bem feita são suas unidades individuais, uma vez que essas não se encerram em si mesmas estão conectadas umas as outras gerando um todo que funcionaria muito bem, porem funcionaria, -ia e não -ona. Não funciona pois a malha ligante não comporta o volume solicitado, ou não está logicamente espacializado, ou qualquer outra conseqüência proveniente de um planejamento ser qualidade.

Mas Argan na continuação de sua sentença já abre mão dessa possibilidade de independência entre o projetar da cidade e d edifício nos dias de hoje; diz ser impossível e inviável cogitar a manufatura de uma cidade ou de um edifício desconsiderando o respectivo.

Num mundo onde a maioria das cidades está plenamente construída, planejada ou não, não há espaço para Brasílias. Não podemos nos dar ao luxo de começar do zero, gerar uma nova forma de pensar, na qual nosso pensamento não precise ser mudado, ponto algum, onde nossa arquitetura caiba, caia como uma luva. A cidade já está feita, os vizinhos já têm fachada, alguns apenas elevação.

De qualquer forma, mesmo vivendo no mundo da individualidade, da alienação onde é cada um por si e poucos por alguém não podemos deixar transcender; a arquitetura, a cidade tem efeito drástico no ser humano, e apesar de ser feita por esses não pode se deixar poluir por tendências do mundo atual.

O arquiteto difere do homem comum na construção da cidade pelo estudo, pelo acúmulo de conhecimento, essa característica nos responsabiliza pelo tipo de arquitetura que estimulamos em nossos meios. Daí a impossibilidade de uma arquitetura isenta de conexões com a cidade, daí a consideração com o entorno, o respeito das leis de zoneamento, do código de obras.
É importante frisar que a atenção à regras de conduta arquitetônicas não devem exercer limitações no projeto, são apenas condições que garantem uma maior probabilidade de acerto. São como obstáculos naturais que com esperteza e criatividade o arquiteto adapta em/ao seu projeto.

É fato que existem exceções a toda regra, Ruy Ohtake por exemplo foge a muitas delas, afirmando em uma de suas palestras a estudantes de arquitetura que nem sempre o entorno é relevante, nem sempre a funcionalidade é relevante, disse ser necessário saber quando e como utilizar os fatores de projeto dados. Seguindo essa ideologia é necessário mais talento que a média para a realização de boas obras, a questão está em quem têm esse discernimento do “quando” e “como”.

Como já afirmei antes, repetirei amarrando às palavras de Argan: O código de obras, as leis, a consideração com o entorno, o zoneamento, o plano diretor, o planejamento urbano ligado à concepção projetual e vice-versa são medidas racionais que garantem uma melhor inserção do seu projeto arquitetônico, uma menor probabilidade de erros, ou pelo menos erros menores. A criação de obras sem esses aparatos é possível, mas exige talento e capacidade intuitiva apurada para que seja criado um bom projeto, afinal um projeto embasado na realidade e em muitas referências tem maior chance de solucionar um programa com qualidade que um gerado sem laços com a realidade, apenas arraigado nas maravilhas do ilusório de um arquiteto.